SOBRE O AUTOR

Poeta e político moçambicano, Marcelino dos Santos, ou Kalungano ou Lilinho Micaia como era conhecido, nasceu em 1929, no Lumbo, em Moçambique. Interessante e reconhecido poeta e activista político moçambicano, cedo se integrou na sociedade portuguesa vindo para Lisboa fazer os seus estudos superiores.
Jovem conhecedor e preocupado com as realidades do povo moçambicano, Marcelino dos Santos inicia a sua participação na Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa – uma organização oficiosa forçosamente afastada do fim que lhe fora destinado pelo Governo Português por gerações de estudantes africanos que a “transformaram” na mais potente e especial plataforma para a difusão e divulgação dos autores africanos que era impossível, então, editar em África.
Os textos de Marcelino dos Santos descrevem a sorte do colonizado, vítima da sociedade e impossibilitado de atingir um meio de libertação, mas extremamente crente na hipótese de virar o seu destino e passar de perseguido a perseguidor.
O mundo imposto ao homem negro – no caso moçambicano – é um mundo dividido, injusto, em que as vozes levantadas até então falam “levemente” de uma forte desadaptação, injustiça, mas fazem-no inspirados unicamente por um sentimento humanitário e naturalmente sem encarar nem preconizar a violência. De facto, mesmo vivendo num mundo dividido, com a família amplamente espartilhada, define-se o drama do colonizado sem que, mesmo assim, se ouça o apelo à revolta.
Em contrapartida, e abrindo uma linha perfeitamente antitética, o canto de Marcelino dos Santos já não é aquele canto da chamada “poesia mulata”, que procurava uma identificação, uma autenticidade própria, uma definição da terra. Mais avançado e confrontado com outros condicionalismos sócio-políticos, outra África, enfim, Marcelino dos Santos contrapunha uma poesia que perspectivava uma situação e uma massificação de vontades verdadeiramente moçambicanas.
Já dentro da época de guerrilha, da luta armada em Moçambique, Marcelino dos Santos, agora liberto do pesadelo da censura, levanta a voz e o gesto que proclamavam a destruição material dos demónios do colonialismo, na mais pura tentativa de cantar a libertação, chegando mesmo a dizer, num dos seus mais marcantes poemas, “sim mamã/é preciso/é preciso plantar//pelos caminhos da liberdade/a nova árvore/da Independência Nacional/”.
Marcelino dos Santos estava plenamente consciente de que a verdadeira tarefa do poeta da época devia ser a de examinar e manifestar da forma mais coerente aqueles sentimentos que – mesmo não existindo em estado “puro”, porque envoltos numa atmosfera artificial, subjugadora – representam o mais exacto ponto onde se podem concentrar e cruzar todas as manifestações, significações e potencialidades de uma personalidade própria, tipicamente moçambicana.
Assim, Marcelino dos Santos recorre ao estado mais puro de sentimentos: a infância. Regressar à infância, à sua envolvência e ao seu tempo, é regressar ao passado, invocando uma relação com a Natureza, a Terra, as Raízes, solidificando, assim, as estruturas existentes para definir o presente e arquitectar o futuro.
Desta forma, cingindo-se ao amplo conceito da Mãe-Negra, Mãe-África, define uma posição muito concreta na poesia moçambicana: uma posição combativa, da mais pura reivindicação. Esta postura vai, verso a verso, reflectindo uma crescente consciência política que Marcelino dos Santos amadurece e transporta para uma prática real onde se afirma porta-voz de uma profunda radicação nacional.
Assim se entende como Marcelino dos Santos aparece como impulsionador da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) delineando as bases que lhe deram origem. Chegou mesmo a ser o seu Vice-Presidente, passando depois a desempenhar altas funções no Governo Moçambicano.
Marcelino dos Santos, que a militância política teria deslocado da produção poética de substrato profundamente moçambicano, é ainda hoje considerado como uma das vozes mais significantes da afirmação de uma poesia realmente Moçambicana.